A hospitalidade beduína é famosa: no inverno, os convidados são recebidos em uma tenda de tecido de pele de cabra e, no verão, são protegidos dos quentes raios de sol pelo abrigo de um teto de palha.
O povo é saudável, feliz, tranqüilo e aproveita a vida, apesar das condições rudes em que vive. Seu estilo de vida nômade desperta admiração e curiosidade nos ocidentais. Assim que os meus anfitriões se foram para realizar suas outras atividades, fui dar uma caminhada.
Estava em um oásis bastante aprazível, cercado de deserto por todos os lados. Em um raio de poucos metros, havia diversas palmeiras e tamareiras. Era um cenário típico de filmes, onde, pelo menos por instantes, eu poderia ser o personagem principal, talvez um Lawrence da Arábia meio deslocado, quem sabe…
Mas o vento forte esfriava o rosto e as mãos. No entanto, embora a entrada da tenda fosse grande, quando estava lá dentro percebi que o vento não entrava.
Na certa, este era um segredo ambiental que só eles conheciam. Toda espécie de ser vivo se adapta ao seu habitat e o ser humano é o que o faz com maior facilidade. Por sermos tão versáteis, é que nos espalhamos pelo mundo todo.
Começou a chover. Isso era a última coisa que esperava ver ali. Mas era uma chuva característica, bem rápida. Os beduínos recomendaram que não me afastasse das redondezas do oásis sem ser acompanhado, pois seria perigoso para um viajante desavisado em busca de emoção.
O deserto é como o mar: encanta e fascina, mas é também misterioso e assustador. Como o mar, não lhe agrada ser invadido ou desrespeitado; assim, impõe seus limites e suas armadilhas, mas com sabedoria e até com alguma gentileza.
Cabe a cada um aprender a entendê-lo, para que convivam em paz homem e natureza. Como acontece com o mar, que à primeira vista não revela o mundo paralelo que se agita sob a superfície, o areal à minha frente escondia o pulsar de várias formas de vida. Nova conclusão: nem o deserto é de todo deserto. Nunca estamos completamente sozinhos.
A noite chegou de mansinho. Lentamente, foi dominando a paisagem, trocando os tons avermelhados ou amarelados por outros mais suaves, quase azulados, quando o sol se foi. Compreendi, então, que o deserto é como uma imensa folha de papel branco, que reflete a cor predominante a cada momento do dia.
Fui para a tenda e, à luz da lanterna, comecei a escrever alguns textos que a ocasião me inspirava. Na escuridão plena lá fora, o silêncio era total. No entanto, logo os uivos do vento o interromperam. Como a temperatura caiu vertiginosamente, me agasalhei bem. O tempo passava sem pressa, estimulado pelo estado de inércia em que estava desde que chegara ali.
Pus-me a fazer um exercício que chamo de “recordações positivas”, que consiste em cultivar o hábito de retomar lembranças agradáveis e construtivas do que já foi alcançado ou de um sonho de outra época da vida. Essa experiência serve de estímulo e orientação para se concretizar um objetivo e costuma ser bastante eficiente.
Depois de um bom período de reflexão, não resisti e saí outra vez. Agora, estava realmente frio. Quando olhei para cima, vi um céu de beleza estonteante. Por ele passeavam estrelas de variados tamanhos e intensidade de brilho. Era como se Deus tivesse aberto o teto do firmamento.
O espaço é infinito… A imensidão da abóbada celeste mesclava-se à do deserto: mistério, desconhecido e negrume ao redor. Senti-me um ser pequeno ao extremo, mas, ao mesmo tempo, possuidor de uma força sem limites. Dirigi o olhar para o alto com atenção: as estrelas continuavam lá e assim permanecerão; maiores ou menores, todas têm seu brilho próprio e são indispensáveis no bordado do manto celeste; não desistem de brilhar, sem brigas ou vaidades, porque sabem que há lugar para todas elas. Meus olhos completaram a órbita da paisagem até aterrissarem de novo na folha em branco.
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